O que você quer?
Respira

O que você quer?

por Vânia Goy

Eu tenho um hábito engraçado, e só me dei conta que ele existe há alguns meses: quando desperto, ainda na cama, meio transitando entre a consciência que chega e o fim do sono, pergunto a mim mesma o que você quer?. Quando me dei conta que me faço essa questão matinal ri internamente. Como assim o que eu quero, haha? 

Enfim, a pergunta desencadeia minutos de respostas que são quase uma oração. Me ajuda definir o humor do dia, especialmente se sinto que estou mais vulnerável ou ansiosa. Depois da parte, digamos, prática, me pego nuns devaneios. O que eu quero? Eu quero imaginar uma viagem, uma casa, mudanças no escritório, voltar no tempo. E aí nascem várias das minhas ideias. VÁRIAS. De devaneios-oníricos-imaginativos matinais.

E eu AMO esse momento. Porque tô deitada, quentinha, confortável, na minha casa e na minha cama que eu amo, fazendo planos mirabolantes e, de certa forma, começando o dia com intenção boa. O lance problemático é que ter esse momentinho-inspiração requer duas coisas: uma noite bem dormida e algum tempo extra entre despertar e de fato levantar.

Dormir bem é um problema, a gente sabe e já falou até neste episódio do Ciao, Bela, podcast que criei com a Iza Dezon, como insônia é considerada uma epidemia global (você tem insônia? Me conta?). Ao longo da noite a gente passa por ciclos de diferentes estágios de sono, mais leves e mais profundos, como o famoso sono REM, que são verdadeiramente terapêuticos não só pro corpo, que se reorganiza e regenera durante à noite, mas pra mente também. São nessas horas que a gente faz a digestão do que viveu ao longo do dia, reforça memórias, sonha como forma de organizar as emoções e também deixa a mente vagar de forma absurda e também criativa. Então, dormir bem, de forma consistente, tem tudo a ver com conseguir resolver problemas e ter ideias revigorantes.

O outro passo-treta é despertar. Eu amo poder sair da cama sem ter que correr, sem ter que desligar o despertador repetidas vezes. Durante a vida toda, quando tive um trabalho formal, eu levantava no limite pra me arrumar, tomar café e sair de casa. Pular da cama no susto assim acaba com meu momentinho ideias frescas, haha. Pesquisando o porquê me sinto assim, li que estudos mostram que o córtex pré-frontal do cérebro, o centro da nossa força de vontade, digamos assim, está bem ativo quando a gente acorda, imediatamente após o sono começar a ir embora. Neste momento, quando me pergunto o que quero (risos) ainda não preciso, efetivamente, tomar muitas decisões, então o córtex aproveita para ficar muito livre e explorador. Distraído, descansando, fazendo nada, a gente permite que as ideias venham e possam ser melhor elaboradas mais tarde (já falei sobre isso quando a gente toma banho, lembra?).

Listinha devaneio-sono-sonho
. Se você curte esse assunto TEM QUE LER o Oráculo da Noite, livraço no neurocientista brasileiro Sidarta Ribeiro, uma das maiores autoridades do mundo quando o assunto é sono. Neste volume ele escreve (de forma absolutamente didática e deliciosa de ler) a história dos sonhos, todos os aspectos mágicos e místicos já atribuídos à mente, passa por toda a fisiologia e ciência do cérebro e ressalta a importância da gente sonhar pra transformar o mundo a partir da cosmovisão dos povos originários brasileiros. Cinco estrelas é pouco.

. Durante as minhas férias, em Londres, fiquei um tempão hipnotizada vendo uma instalação/homenagem a Set and Reset, uma apresentação de Trisha Brown, coreógrafa de Nova York que fez parte do movimento que ajudou a deixar a dança mais próxima da vida corriqueira na década de 1980. Set and Reset é uma apresentação famosa porque contou com figurino e cenário de Robert Rauschenberg, artistão americano. Assiste aqui se você, como eu, sonha em dançar lindamente. 

. Numa das respostas do que eu queria (risos) voltei no tempo pro show de despedida do Milton Nascimento, 79 anos, que vi em Lisboa recentemente. Clube da Esquina é um dos meus discos favoritos, senão a minha música favorita (ouça aqui!). Foi mágico, lindo, emocionante, comovente. Outro dia acordei com ela na cabeça e quis estar lá de novo.

Porque se chamavam homens
Também se chamavam sonhos
E sonhos não envelhecem
Em meio a tantos gases lacrimogênios
Ficam calmos, calmos
Calmos, calmos, calmos
E lá se vai
Mais um dia

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