Ozempic, a volta de corpos hipermagros nas passarelas e o perigo da glamourização da magreza
Saúde

Ozempic, a volta de corpos hipermagros nas passarelas e o perigo da glamourização da magreza

por Danielle Sanches

ilustração: Glamour UK

Nos últimos anos, a temporada internacional de desfiles da moda até andava mais diversa e menos, digamos, magérrima — porque, vamos combinar, o padrão de beleza das modelos ditas fashion vai além da magreza-padrão-habitual. Só que os últimos desfiles, que rolaram em 2023, deixaram críticos e especialistas em moda alarmados pela volta da magreza excessiva das modelos.

E não é por acaso. Essa falta de diversidade remonta um padrão vigente lá na década de 1990, que teve como principal expoente o “heroin chic” — visual daquela Kate Moss 90’s, pele claríssima, com um ar meio cansado e de corpo muito magro, quase infantil. Fica difícil entender por que essa estética ressuscitou agora, né? Quando se fala tanto em autoaceitação e diversidade de corpos. Mas, afinal, existe uma explicação?

Para Iza Dezon, CEO da DEZON, expert em análise de tendências e professora da FAAP, em São Paulo, movimentos de aceitação corporal como “body positivity” e “body neutrality” não foram capazes de eliminar completamente o ideal de corpo magro da moda. “A tensão sempre existiu entre essas correntes”, afirma. No entanto, o retorno a esse padrão justamente após a pandemia pode dar pistas dos motivos que levaram a essa ressurgimento. “Minha impressão é que as pessoas querem flanar por aí um corpo malhado, construído, após meses de pouca rotina e alguma indulgência durante o período de quarentena”, opina.

Para Bruna Salles, professora de moda do Senac Lapa Faustolo e doutoranda em História pela PUC-SP, onde estuda a história do corpo gordo no Brasil, esse retorno demonstra quão frágil são as conquistas relacionadas à liberdade e diversidade do próprio corpo. “Embora existam atualmente movimentos que valorizam corpos ‘normais’, isso é uma iniciativa relativamente nova”, afirma. “São conquistas que precisam ser constantemente reafirmadas para não se tornarem invisíveis, já que, sempre que existe algum progresso social, mostrando novas demandas, há uma força reacionária em resposta”, acredita.

Outra questão importante são os novos filtros apresentados em redes sociais como Instagram e TikTok e que facilmente nos desconectam da realidade. Em um reels, a psicanalista Manuela Xavier fala justamente sobre como um desses filtros torna a feição do rosto plástica, padronizada e artificial. E faz um alerta: “É urgente educar o nosso olhar para o que é bonito, desfazer as lentes da artificialidade e se encontrar com o que é de verdade.”

Nesse sentido, são os adolescentes, que estão entrando nesse universo pela primeira vez e não têm a memória de todos os problemas que a magreza excessiva trouxe na década de 1990, os mais vulneráveis a essa pressão estética. Mas eles não estão sozinhos. “As mulheres mais velhas, que cresceram ouvindo ‘coloca essa barriga pra dentro!’ da mãe, também sofrem esse impacto, essa cobrança excessiva por um corpo que pode ser manipulado até dependendo do ângulo da foto”, afirma Dezon.

Febre de Ozempic
Remédio para emagrecer não é novidade, mas um, em especial, tem dominado manchetes de jornais como The New York Times e foi parar até na abertura do Oscar, comandada por Jimmy Kimmel: o tal Ozempic. Temos acompanhado uma série de relatos e publicações sobre o crescimento da popularidade das injeções de semaglutida em várias partes do mundo. A droga — vendida sob os nomes comerciais de Wegovy, Ozempic e Rybelsus — foi desenvolvida inicialmente para tratar diabetes tipo 2 e, mais recentemente, começou a ser aprovada em diversos países como uma nova opção para perder peso.

Embora não tenha sido criado originalmente para isso, nos últimos anos, o Ozempic vem sendo usado off-label (ou seja, sem recomendação em bula) para auxiliar no emagrecimento de pacientes portadores de obesidade. Mas, não só. O efeito da droga na perda de peso é tão significativo que, em muitos lugares, a popularidade do medicamento disparou mesmo entre pessoas sem condições crônicas.

Tudo porque a semaglutida reduz o apetite e aumenta a saciedade, diminuindo a vontade de comer. Os resultados são tão drásticos que o FDA (Food and Drug Administration, a Anvisa americana), nos Estados Unidos, autorizou o uso da medicação para tratamento da obesidade em 2021, após estudos mostrarem uma boa redução de peso desses pacientes. “É um auxílio para quem precisa emagrecer porque, ao acabar com a vontade de comer, o processo gera menos sofrimento para o indivíduo”, explica o cardiologista Pedro Farsky, médico do Hospital Israelita Albert Einstein e do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.

Só que, como falamos, a semaglutida pode auxiliar pacientes com obesidade na jornada da perda de peso — e não ser um método de emagrecimento rápido e para uso sem critério. “Emagrecimento saudável não é só perder gordura. É ganhar massa muscular, é adquirir novos hábitos”, afirma Farsky. “Por isso, o uso do remédio é focado em portadores de obesidade, que precisam de ajuda para iniciar mudanças”, reforça.

Em entrevista ao Uauness, Larissa Almenara, mestre em Nutrição Humana pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e nutricionista da Selvs, afirma que quem utiliza essa medicação pode sentir náusea, constipação, dor estomacal e diarreia. E a interação entre Ozempic e ingestão de álcool também querer cuidado, porque pode causar hipo ou hiperglicemia, especialmente em quem tem diabete, os níveis glicêmicos, incluindo a insulina, podem baixar no sangue. 

E, sabemos, que não existe milagre pra perda de peso se não há reeducação alimentar. “A medicação podegerar reganho de peso posterior à interrupçãode uso, uma vez que a pessoa retornará ao hábito alimentar prévio”, explica Almenara. 

Resistir é preciso
Como disse Iza Dezon no início do texto, a tensão entre a existência de corpos magros na moda e a busca por autoaceitação e diversidade corporal sempre existiu e provavelmente seguirá existindo. Como, então, navegar por essas águas sem se afogar?

Para começar, é importante manter a memória viva. “A geração anterior tem consciência do que aconteceu e como aquela época não foi saudável, com inúmeros relatos de modelos e adolescentes desenvolvendo transtornos alimentares”, ressalta Bruna Salles. Nesse sentido, diz ela, é fundamental não ser refém de padrões de beleza impostos pela indústria da moda e trabalhar para conscientizar as gerações mais novas sobre a importância da diversidade corporal, da saúde e do bem-estar – e que nada disso deve ser moeda de troca para obter um ideal estético.

Iza vai além e lembra que é importante, como consumidores que somos, não aceitar marcas ou tendências que trabalhem com o excesso de magreza e cobrar para que a diversidade esteja presente em propagandas dessas empresas. “É treinar o olhar para uma beleza mais plural e atentar para pessoas maravilhosas que têm feito barulho e podem estourar essa bolha”, acredita. “Ou seja, é preciso resistir”, finaliza.

Tem mais sobre o assunto no seguinte episódio do podcast Ciao, Bela:

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