Como nascem os perfumes da Dior: Dênis Pagani entrevista François Demachy
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Como nascem os perfumes da Dior: Dênis Pagani entrevista François Demachy

por Vânia Goy

— Isso aqui dizem que é afrodisíaco.

François Demachy, perfumista exclusivo Dior, pega 5 bolas cinza amarelado da estante. Uma mais branca, outra muito escura. Parecem pedras. Ele explica que são de ambergris ou âmbar cinza: a baleia cachalote se alimenta de lulas e os “ossos” machucam o estômago dela. O ferimento cria um cálculo que ela vomita um dia.

— Você pega um pedaço, coloca numa colher, aquece para derreter e joga num chá.

Este cálculo fica anos boiando no mar, curando no sal e no sol, até parar numa praia e ser recolhido por alguém.

— Eu já tomei. Não aconteceu nada.

Ele nos dá para sentir o cheiro. É sutil, agradável, marinho e mineral.

Ainda usamos para dar profundidade nos perfumes. Mas não existe um mercado onde se pode comprar, é algo que você tem que achar.

Desde 2006 François Demachy é perfumista exclusivo da marca. Isso significa que cabe a ele e sua equipe desenhar todo perfume novo e zelar pela qualidade dos antigos. Esta última uma tarefa ingrata num mundo cuja legislação diz qualquer coisa como: se tal produto tem chance de causar algum tipo de irritação, que não se use.

Eu cheguei uns bons minutos antes do horário marcado para a entrevista, no edifício da marca no centro de Paris. Era uma tarde quente de céu azul cobalto, um alívio depois de 3 dias de alerta de poluição na cidade.

Caroline e Étienne, da equipe de relações públicas, já me esperavam e acenaram do outro lado da rua. Falamos se é ali que fica a loja com desconto para funcionários (sim), se tem os perfumes da Collection Privé (às vezes) e perguntei se agora, com o laboratório do grupo LVMH em Grasse, no sul da França, Demachy se dividia entre as duas cidades.

— Sim, em Paris mais para reuniões e tentamos encaixar uma entrevista. Sabe, a gente não deixa todo mundo falar com ele.

Agradeci.

Bah, non, c’est normal. “Relaxa, é normal.”

Relaxei. O tímido Demachy também relaxou depois de algumas perguntas. Achamos um canto para sentar à mesa cheia de frascos. Os quadros são quase todos figuras femininas ou cenas de mar.

— Gosto mais de pinturas e estou sempre mudando. Esses acabei de trazer de Grasse. Preciso deles pra escapar de vez em quando. Gosto das cores.

Seu escritório faz tudo para amenizar o cinza corporativo: pinturas nas paredes, quadros e uma cabeça de manequim no chão, sacolas com produtos, outra com água com gás, pilhas de revistas, uma estante cheia e bem consultada, duas mesas até as bordas com futuros perfumes, conjuntos de matérias primas, amostras de velas, clipes com fitas olfativas — muitas coisas acontecendo.

— É uma bagunça mas eu sei onde está tudo. Preciso que as coisas estejam fisicamente próximas porque elas se influenciam, vejo relações que não imaginei. A gente começa um trabalho com várias direções para escolher qual é a melhor. E vamos trabalhando.

Tinha preparado uma entrevista mas achei melhor continuar com o papo.

— Como você sabe qual a melhor?

— Nunca sei. A gente nunca sabe. Mesmo depois de lançado porque não sabemos se vai vender. Se vende, não sabemos por quanto tempo.

Quem não é ansioso com o próprio trabalho? Perguntei se acha fácil deixar a profissão no escritório.

— Não. E é igual com meus amigos perfumistas e com todo mundo. Mas a gente vai e faz outras coisas. É bom manter a atenção, o estado de curiosidade, porque você vai no restaurante, lê alguma coisa no cardápio e aquilo te inspira. Sempre tenho um caderno para anotar idéias. Fica do lado da cama quando eu durmo, às vezes anoto um pouco de manhã. E eu tenho dificuldade de terminar um perfume, para mim nunca está pronto. As outras pessoas que trabalham comigo é que falam que já está bom.

Pedi para que ele falasse das coisas na mesa.

— Bom, a gente pode ter uma memória sobre tudo, inclusive olfativa. Mas ela vai derivando com o tempo. É importante voltar para as matérias primas para lembrar: essas aqui são todas da mesma família.
Ele aponta um grupo de frascos.

— Você faz jogo da memória com elas?

— Sim, quando tenho tempo. Dou trabalho para os assistentes. O mais importante não é achar as matérias primas iguais, mas procurar, porque você cria conexões novas. Mesmo que não saiba qual é de cara, vou descrevendo: é verde? Ou é uma madeira? Um patchuli? E assim eu estreito as possibilidades.

Partimos para um tour do laboratório, do outro lado do prédio. A gente encontra com uma perfumista da Guerlain consultando um livro na estante do corredor, onde continua a biblioteca que do escritório. O laboratório é compartilhado com outras empresas do grupo, como Givenchy e a própria Guerlain.

No laboratório o ar é trocado 7 a 8 vezes por hora — num escritório é uma vez.

— Isso acontece bem devagar, por aberturas muito grandes, para não influenciar as balanças.

Para ficar bem claro Demachy abana sobre uma balança vazia, que registra alguns décimos de grama de peso.

— Temos o mesmo sistema nos computadores aqui e em Grasse. Então eu posso escrever uma fórmula lá e um dos assistentes manipula aqui, e vice versa.

Ele me chama para ver uma sala menor, no canto do laboratório, cheia de armários e… geladeiras.

— Elas são para guardar vinho, na verdade, que gelam menos. Se esfriar muito o óleo essencial de bergamota pode se separar em dois. Vem ver esta: aqui tem as matérias primas que usamos nos perfumes nos anos anteriores. Diferente do vinho, em perfume não posso ter vintage, todo ano tem que ser igual ao anterior. Então a gente guarda tudo o que já usou, para ter a referência.

Já batendo uma boa hora de conversa, nos despedimos. Agradeço pelo tempo, pela generosidade com o conhecimento. A timidez era uma doçura defendida. No hall dos elevadores não dá para não notar algo que parece um alambique de cobre, um tanque industrial com um metro de altura. Demachy entrega um pouco mais.

— A gente guardava o perfume Diorama aí depois de pronto. Gira a tampa, pode abrir, o cheiro é ótimo.

Era mesmo.

Dênis Pagani é expert em perfumaria e comanda cursos, consultorias individuais e escreve ótimas resenhas no site 1Nariz

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