Futuro
O futuro da perfumaria é sinestésico: emoções são mais importantes do que o desejo por impressionar
por Vânia Goy
foto: divulgação e Tom De Peyret (Arpa)
Já contei que que sou fã de usar uma só fragrância na vida, né? Tenho essa obsessão de um cheiro meu, de um cheiro que ame muito. Mas encontrar o perfume definitivo não é mesmo uma tarefa fácil. E, aparentemente, nem faz mais sentido para a geração Z. A medida em que as nossas conversas sobre beleza vão mudando, é natural que a intenção por trás do uso de fragrâncias também evolua.
A gente se acostumou a ver comerciais de fragrâncias mais focadas na satisfação externa do que interna. As narrativas geralmente tem a ver com sedução, com poder de impressionar, de passar e deixar a sua marca-registrada. “Você pensaria em sua fragrância como parte de um fascínio sobre si mesmo que você está tentando criar para atrair os outros”, disse a psicóloga clínica Chloe Carmichael ao Mind Body Green. Não por acaso elas também são divididas entre femininas e masculinas e a diferença entre elas é gritante – as femininas mais florais e adocicadas e as masculinas mais herbais e amadeiradas. Mas, segundo um levantamento da Kyra, companhia focada em creator da geração Z, 60% deles usa entre três e cinco fragrâncias diferentes e 43% se interessa por perfumes sem gênero. Mais da metade também afirma que a estética é decisiva para a compra.
Mais pessoal
Com a escalada do repertório de bem-estar e cuidado pessoal, a tendência é que as escolhas sejam mais orientadas para as sensações pessoais e propriedades terapêuticas do que para atrair alguém ou incorporar uma personalidade impressionante.
Um dos exemplos é a marca Rosie Jane, que descreve seus produtos pelas sensações, como “dias de primavera em LA com uma taça de vinho”. A fundadora conta que encontra inspiração nas emoções, experiências, cidades que visita. Outro ótimo exemplo é a Nue.Co, criadora de “fragrâncias funcionais”, como se definem, com nomes sugestivos. Forest Lungs, por exemplo, é um banho de floresta para trazer a sensação de proximidade com a natureza em busca de alívio ao stress.
Mais futurista
Para além das fragrâncias clean e sem gênero, a recém-lançada Arpa vai além. Mais do que um frasco de perfume, o perfumista Barnabé Fillion (que a gente já entrevistou por aqui), criou uma multiplataforma que combina aroma, música, arquitetura e imagens em uma experiência completamente imersiva.
Fillion é um dos nomes da nova geração que se tornou conhecido pelas fragrâncias da Aesop, bem como suas colaborações com a Le Labo, Lemaire e até instituições de arte como o Guggenheim ou em colaborações como essa, que vi na Serpentine Galleries, em Londres este ano, ou com a artista Anicka Yi, quando recriou o odor corporal imaginado de futuras entidades com inteligência artificial.
Na Arpa, os três primeiros perfumes foram criados a partir de viagens pessoais e narrativas históricas. Arco Spettro foi inspirado nas crateras de banho de ácido em Dallol, Etiópia; Fosforo, um perfume de petitgrain e íris inspirado nas águas que cercam a ilha de Kyushu, no Japão; e Recedere, uma mistura terrosa de alcaçuz, neroli e gesso, que pretende recriar um estúdio de gesso na Floresta Azul da Bélgica. Tudo isso embalado em frascos de vidro soprado à mão assinados pela artista Jochen Holz.
Para Fillion, este projeto sempre será sobre sinestesia, aquela mágica de experimentar um sentido através de outro para fundir as sensações. “Na Arpa, trabalho com os mais puros materiais naturais”, disse à Wallpaper. ‘Eu os ouço para obter transmissões de comprimentos de onda extra-sencientes; evitar um futuro de artificialidade em favor de uma poesia alegre. “Tudo o que estou fazendo na perfumaria é visual e relacionado à minha própria sinestesia, para transmitir não apenas uma memória, mas uma textura. Estou sempre correndo atrás de uma imagem borrada que fica mais focada com o tempo.”